Um pouco sobre GURPS

Retirado do http://br.geocities.com/contoselendasrpg/gurps.html

Introdução

Segundo a lenda, GURPS significava, durante a fase de projeto, Great Unnamed Role-Playing System Grande Sistema de RPG Sem-nome. O próprio Steve Jackson, entretanto, idealizador do sistema e presidente da companhia que há mais de quinze anos publica o GURPS, define o nome do sistema como Generic Universal Role-Play System, ou Sistema Genérico Universal de Roleplaying.
O conceito principal deste sistema de RPG é utilizar um conjunto único de regras para qualquer ambientação. Desta forma, jogadores e mestres não seriam obrigados a aprender e comprar novas regras toda vez que desejassem mudar o cenário de seus jogos. Estas regras, segundo a necessidade dos jogadores por maior ou menor grau de realismo, podem incorporar regras alternativas com distintos graus de complexidade.
Serão apresentados, a seguir, alguns aspectos históricos relativos ao desenvolvimento do sistema que ajudam a compreender melhor seus fundamentos. Posteriormente, o leitor encontrará um resumo sucinto das principais características das regras do GURPS, seguido de uma crítica dos pontos fortes e fracos do sistema em geral. Finalmente, serão apresentados comentários conclusivos a respeito desta análise.

Histórico de Desenvolvimento

Os anos 80 marcaram a consolidação do RPG como indústria rentável. Esta década presenciou o lançamento de um grande número de suplementos para AD&D, maior sucesso comercial de RPG em todos os tempos. Toda uma geração de jogadores foi praticamente doutrinada na fantasia medieval.
Esta tendência, entretanto, encontrou resistência no crescimento do mercado. Além da maturidade comercial, o movimento RPGista demonstrava uma maturidade de idéias que rejeitava as regras relativamente simples do AD&D. Ao mesmo tempo, jogadores pregavam a experimentação de novas vertentes de jogo que utilizassem ambientações ainda pouco exploradas pelo RPG. O tema da ficção científica, com forte apelo comercial após a febre Star Wars do fim dos anos 70, foi abordado com sucesso pelos sistemas Traveller, de 1977, e Star Trek RPG, de 1982. A popularidade das revistas em quadrinhos, também, foi transportada para o RPG com o Champions, sistema da Hero Games, em 1982. Este sistema, em particular, contava com inúmeros aspectos universais que o projetaram como uma das maiores influências do próprio GURPS.
Steve Jackson, o principal idealizador do GURPS, já possuía alguma experiência com criação de jogos. Ele havia projetado o Melee, em 1977, um sistema de combate que pudesse ser utilizado em outros jogos. O sistema tomou forma de um conjunto de regras completas para RPG com a adição de um suplemento de magia, o Wizard, e um livro para mestres, Into the Labyrinth. Este sistema, conhecido como Fantasy Trip, nunca foi bem sucedido e a Metagaming, que publicava o sistema, acabou por falir. Jackson, entretanto, manteve-se como uma referência na indústria através de excelentes jogos como Car Wars e Illuminati, enquanto reunia material e idéias para a elaboração de um conjunto de regras para RPG realmente genérico.
Finalmente em 1986, o GURPS finalmente assume forma similar à que hoje conhecemos. Sua proposta era a de tornar-se um sistema unificado que permitisse a seus usuários utilizar o mesmo conjunto básico de regras em qualquer ambientação ou cenário. De certa maneira, o sistema GURPS destacou-se como o ápice no desenvolvimento dos sistemas genéricos dos anos 80. E, aproveitando os anseios dos jogadores da época por variedade e os bons ventos que sopravam no mercado de RPG, alcançou grande sucesso comercial logo de início.
Nos anos seguintes, Jackson cercou-se de talentosos escritores jovens. Esta equipe criou dezenas de cenários interessantes e inovadores para a época. Destaca-se, neste período, o lançamento da primeira edição do GURPS Fantasy que, para evitar um conflito direto com os campeões de mercado da TSR, apresentava um cenário alternativo com culturas baseadas no cristianismo e islamismo medievais terrestres. Sempre com o foco na diversificação, seguiram produtos orientados para as linhas espacial e supers, além dos primeiros suplementos históricos. Licenças da literatura fantástica como GURPS Conan e GURPS Bunnies and Borrows foram oferecidos a um público curioso em relação às possibilidades abertas pelo novo sistema. Em pouco tempo, estabeleceram um padrão de qualidade que até hoje diferencia os produtos da Steve Jackson Games.
No início da década de 90, a companhia de Jackson já se mostrava competidor sério na indústria de jogos. O sistema GURPS, por sua vez, se firmava como um dos mais populares conjuntos de regras nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o cenário de RPG no Brasil assistia ao nascimento de várias alternativas nacionais de qualidade. Faltava, entretanto, um sistema estrangeiro de peso em nossa língua. E a Devir Livraria Ltda aproveitou a oportunidade, trazendo para nosso país o sistema GURPS no ano de 1991. A tradução da segunda edição americana, em pouco tempo, repetia em terras brasileiras o sucesso alcançado nos Estados Unidos. No Brasil, os principais suplementos relativos a distintos temas foram lançados, valorizando o caráter genérico do sistema.
Desde então, o desenvolvimento do sistema não parou. A terceira edição americana também foi lançada em português pela Devir, em 1994. Nos Estados Unidos esta edição revisada foi seguida por dois compêndios reunindo regras publicadas nos diversos suplementos ao longo dos anos, garantindo consistência ao sistema. O fôlego comercial foi revigorado com o lançamento de uma série de suplementos de sucesso. Esta maré de bons resultados nos anos 90 seguiu-se à crise enfrentada pela Steve Jackson em função da concorrência com a White Wolf e seu World of Darkness, além da febre dos Jogos de Cartas Colecionáveis. Mostrando visão de mercado, Jackson capitalizou com as novas tendências lançando o jogo de cartas Illuminati e diversos suplementos GURPS na linha terror gótico.
Impulsionado por bons resultados financeiros, o sistema continuou a crescer e diversificar-se com dezenas de novos lançamentos a cada ano. Nesta década, também, a revolução da Internet alcançou a Steve Jackson Games. Atualmente, a maior parte dos lucros com vendas de livros e jogos vem da loja virtual da companhia, a Warehouse 23. Houve também a revitalização em formato eletrônico da revista oficial da companhia, a Pyramid que hoje é modelo inclusive para outras experiências similares. Nesta revista, ocorrem debates entre jogadores e escritores que são vitais para a manutenção do interesse dos fãs, além de propiciarem retorno imediato da satisfação dos consumidores e permitirem a saudável prática dos playests, nos quais os assinantes da revista participam da avaliação preliminar dos suplementos a serem lançados.
Hoje, o sistema mais uma vez procura enfrentar as ameaças do mercado. A recente onda da licença aberta d20, originada com a 3° Edição do D&D, trouxe pela primeira vez um competidor capaz de reivindicar o posto de sistema universal de RPG. O contra-ataque GURPS veio, mais uma vez, com diversificação e foco nas competências centrais do sistema.
Neste esforço, licenças de sucesso da literatura, que sempre estiveram presentes entre os suplementos do sistema, foram complementadas por licenças populares originadas da televisão e mesmo de outros jogos de RPG, como Castelo Falkenstain e Traveller. Regras simplificadas também surgiram através do GURPS Lite, resumindo os principais pontos do sistema como forma de combater as críticas relativas à complexidade do conjunto de regras. Este conceito evoluiu para as recentes linhas Powered by GURPS, que privilegiam a ambientação acima das regras e, de certa forma, responderam favoravelmente à ameaça da licença aberta. Títulos como Conspiracy X e Prime Directive, de companhias externas à Steve Jackson Games, já foram contemplados com lançamentos PbG. Da própria casa vieram linhas como a inovadora série futurista Transhuman Space, a adaptação da série literária de sucesso Discworld, os quadrinhos de Hellboy e os títulos WW2, retomando o foco histórico.
O sistema conheceu, também, autores brasileiros. A fim de aproveitar principalmente a oportunidade educacional representada pelos excelentes suplementos históricos GURPS, a Devir investiu em livros com regras mais simples e em formato econômico: os Mini-GURPS. O primeiro, chamado o Descobrimento do Brasil, tratava das navegações de Pedro Álvares Cabral e foi lançado na época das comemorações dos quinhentos anos do Descobrimento. Na seqüência, a história do Brasil voltou a ser abordada com o Quilombo dos Palmares e Entradas e Bandeiras.

Principais Características

Inicialmente, deve-se salientar a proposta básica do sistema: ser um conjunto único de regras para qualquer ambientação, modelando a realidade de maneira objetiva e fiel. Além disso, as regras devem possibilitar uma dose suficiente de liberdade para a interpretação dos jogadores.
O sistema fundamenta-se no conceito de pontos de personagem, utilizados para construir o personagem de acordo com as preferências do jogador. O Módulo Básico sugere um número de 100 pontos para a geração de personagens heróicos, estabelecendo como padrão comparativo 25 pontos para um humano normal. O Mestre, é claro, possui total liberdade para definir o número inicial de pontos em suas campanhas ou mesmo ignorar qualquer limite. De toda forma, a definição deste parâmetro é de suma importância no sistema GURPS.
Uma vez conhecido o total de pontos de que se dispõe e, preferencialmente, a partir de uma idéia geral da história e personalidades desejada para o personagem, o processo de criação inicia usualmente com a escolha do nível dos atributos iniciais. O GURPS apresenta somente quatro atributos básicos: ST (força), DX (destreza, habilidade, coordenação), IQ (inteligência, experiência) e HT (saúde). O nível de seres humanos médios nestes atributos é definido como 10. Valores superiores em relação a esta média custam pontos de personagem, enquanto valores inferiores concedem pontos.
Vantagens, por outro lado, são habilidades inatas dos personagens e, assim como atributos acima da média, custam pontos. Exemplos de vantagens incluem aspectos sócio-econômicos como Riqueza, Reputação e Status Social, bem como características físicas como Visão Noturna e Ambidestria. Há, também, oferta de habilidades mágicas e para-normais como Aptidão Mágica e Intuição, além de vantagens mentais como Facilidade para Línguas e Memória Eidética.
As Desvantagens, por sua vez, são aspectos restritivos do personagem, embora não necessariamente negativos. Problemas tão distintos quanto Pobreza, Cegueira, Fúria, Honestidade e Paranóia podem ser incorporadas, concedendo pontos para serem gastos melhorando outras características e delineando com realismo os limites do personagem. É sugerido um limite de 40 pontos para pontos ganhos com aquisição de desvantagens, mas Mestres possuem total liberdade para alterar ou ignorar este valor.
Finalmente, há as perícias, que representam aspectos mais específicos do escopo de conhecimentos do personagem. Seus níveis são baseados nos atributos e, assim, personagens com bom nível de inteligência, por exemplo, tendem a destacar-se em conhecimentos mentais como História, Medicina ou Ventriloquismo. A variedade de perícias no sistema é grande e o número de pontos de personagem investidos em cada perícia mensura a quantidade de tempo dedicada ao estudo da mesma. Desta forma, é possível modelar de maneira fiel a maior parte dos conhecimentos do mundo real.
Há, ainda, opções adicionais para efetivar uma personalização adequada dos personagens. Peculiaridades, por exemplo, podem ser adicionadas e consistem de pequenos hábitos, frases favoritas, gostos ou preferências pessoais, opiniões sobre determinados assuntos ou mesmo versões mais suaves de desvantagens. Elas possuem custo em pontos negativo, mas muito menor em comparação com as verdadeiras desvantagens pois, embora não limitem em demasia as ações do personagem, devem ser interpretadas durante o jogo.
Todos os parâmetros necessários são calculados durante o preenchimento das planilhas de personagem, de maneira a não sobrecarregar a ação com pausas excessivas para verificação de regras ou anotações nas fichas. O sistema utiliza somente dados de 3 faces, a fim de simplificar a resolução dos testes. A maioria das jogadas de dados são realizadas com três dados, comparando-se o resultado obtido com o parâmetro testado modificado em função de bônus e redutores apropriados. No Módulo Básico há diversos indicadores e sugestões para valores destes modificadores de acordo com a situação e o parâmetro testado, mas não há uma quantidade excessiva de tabelas obrigatórias de referência para tanto. As principais, notadamente a Tabela de Modificadores para Armas de Longo Alcance, estão replicadas para rápido acesso num escudo que acompanha a segunda edição brasileira.
O sistema de combate possui duas versões: a básica e a avançada. No sistema básico, utilizam-se os níveis de habilidade das perícias de combate para verificar o acerto dos golpes e parâmetros das armas, de acordo com a força do atacante, para definir o dano causado. O defensor utiliza defesas ativas, calculadas a partir das perícias de combate envolvidas, além de defesas passivas fornecidas por armaduras e escudos. Esta abordagem é bastante simplificada e de rápida resolução, mas carece de riqueza de detalhes.
O sistema avançado de combate, ao contrário, é resultado do aprimoramento direto das regras criadas por Steve Jackson em 1977, o Meele, que posteriormente evoluiu para o módulo de combate Man-to-Man. Nesta variação, são utilizados mapas hexagonais e miniaturas, adicionando possibilidades de movimentação e cenário ao sistema básico de combate. Há detalhamento, também, de pontos de impacto originando diferentes tipos de dano e manobras específicas para combate desarmado. Há, ainda, regras opcionais que regem o uso detalhado de artes marciais. Introduzidas no GURPS Martial Arts, as Manobras desdobram as perícias de combate em ações pré-estruturadas e definidas, garantindo ainda mais realismo e emoção nos combates às expensas de um certo grau de complexidade.
De maneira geral, as regras cobrem também disputas de habilidades entre personagens, ações físicas como corrida, natação e saltos, verificações de pânico, línguas, psiquismo e gerenciamento do tempo alocado para treinamento. A verificação dos modelos de regras em relação à realidade demonstra o grau extenso de pesquisa, elaboração teórica e estatística envolvido na criação do sistema. O texto dos capítulos de regras é pontuado com colunas laterais descrevendo regras opcionais que, se utilizadas, conferem ainda mais realismo.

O Sistema de Magia

Da forma como é apresentado no Módulo Básico, o sistema de magias é uma extensão da mecânica de perícias. Cada operação mágica é tratada como uma perícia específica, requerendo estudo intensivo por parte dos magos a fim de domina-las. As mágicas possuem parâmetros próprios e, via de regra, as operações geram efeitos previsíveis, num caráter cientificista peculiar de todo o sistema GURPS. Embora haja críticas em relação a esta visão, ela é perfeitamente compatível com a proposta geral das regras.
Opcionalmente, em diversos suplementos são oferecidas alternativas ao sistema de magias principal. O GURPS Magia, além de expandir a lista de mágicas presente no livro básico, introduz os conceitos de magia de improviso, com a utilização de verbos e substantivos, magia com runas e magia clerical. Além disso, no GURPS Voodoo é apresentado um sistema de magias baseado em rituais e comunicação com espíritos. Esta opção foi posteriormente aperfeiçoada no recente GURPS Spirits e, juntamente com a magia de improviso, de runas e clerical, busca acrescentar às regras uma mecânica para resolução de magias que privilegie a criatividade dos jogadores e o caráter esotérico e imprevisível da magia.

Pontos Positivos

Sem dúvida, a maior virtude do sistema é seu caráter genérico. Com um único conjunto de regras básicas contidas em apenas um volume, é possível criar praticamente qualquer campanha em qualquer ambientação. É necessário para tanto, claro, boas doses de criatividade e capacidade para questionamento, modificação e interpretação livre de muitas regras, mas estes requisitos deveriam ser estendidos para todos os outros sistemas de RPG.
Especificamente na criação de personagens, convém ressaltar a liberdade oferecida pelo sistema quando comparado com outros RPGs baseados em classes. O GURPS é o RPG de maior projeção comercial que não utiliza o artifício de emoldurar personagens em arquétipos. Esta característica sem dúvida foi fundamental para sua difusão e popularização entre jogadores experientes.
Além disso, deve-se concordar que as regras do sistema, conforme apresentadas no Módulo Básico, cumprem de maneira perfeita o que se propõem, isto é, modelar a realidade como a conhecemos. A apresentação dos conteúdos é bastante didática, com recursos de direcionamento durante o texto para seções explicativas específicas e glossários. O texto, também, foi escrito com linguagem fortemente descritiva, até mesmo técnica. Desta forma, a compreensão das regras é facilitada, ainda que a leitura seja em alguns pontos excessivamente árida. De toda sorte, é injusto afirmar que seja uma leitura difícil, principalmente para jogadores habituados a livros básicos de RPG. Deve-se observar também que algumas incorreções na tradução, sobretudo em suplementos específicos, ajudaram a propagar esta falácia da suposta dificuldade dos textos de GURPS.
Outro ponto louvável no GURPS é o constante compromisso da editora em manter uma linha de produtos de suporte de qualidade e constantemente atualizada. O próprio caráter genérico do sistema se presta para a elaboração de inúmeras publicações de ambientação e ajuste fino de regras. Neste aspecto, é fantástica a gama de opções que os jogadores de GURPS têm a sua disposição.
Este suporte estende-se, também, à revista eletrônica Pyramid. Através desta iniciativa, fãs do sistema podem influenciar diretamente nas decisões de lançamentos, comentando produtos em fase de elaboração e, com isso, auxiliando diretamente os autores. Da mesma maneira, os fóruns de discussão da revista permitem um retorno automático de comentários dos leitores a respeito dos produtos publicados, além de manter os assinantes sempre atualizados quanto às tendências do sistema. Dúvidas e questões relativas a interpretação de regras ou mesmo sobre campanhas em andamento podem ser respondidas diretamente pelos idealizadores do sistema, estabelecendo fortes vínculos de fidelidade por parte dos leitores. As matérias semanais, também, são de extrema qualidade e enfocam diversos aspectos do sistema e das ambientações publicadas.

Críticas

De maneira geral, as principais críticas dirigidas ao GURPS resumem-se a um ponto recorrente: dificuldade e complexidade das regras. Inicialmente, convém apontar a quantidade de cálculos e escolhas demoradas realizadas durante o processo de criação dos personagens. Realmente, a seleção de vantagens, desvantagens e perícias tende a ser cansativa e, deste modo, afastar jogadores menos experientes ou avessos a estruturações elaboradas de personagens. Por outro lado, a variedade quase exaustiva de opções de escolha pode gerar o problema oposto para jogadores mais experientes: a mesma característica da vida real pode ser modelada, muitas vezes, por mais de um conjunto de vantagens, desvantagens e perícias. Desta maneira, é possível divagar por horas durante a criação do personagem até decidir-se pelas escolhas mais adequadas.
A fim de minimizar estes problemas inerentes ao sistema, convém a todos os jogadores construírem uma imagem mental palpável e crível do personagem desejado antes de aventurar-se pelas listas de opções. Outra opção possibilitada pelo material de suporte do GURPS é o uso de templates, ou pacotes, de maneira similar às classes características de outros RPGs. Nestes casos, as escolhas iniciais dos jogadores são, de certa forma, limitadas pois, de acordo com o pacote desejado, um conjunto pré-estabelecido (e pré-calculado!) de vantagens, desvantagens e perícias é adquirido. Por outro lado, há ganhos bastante significativos em termos de tempo para construção do personagem, o que tende a ser bastante útil para Mestres durante a criação de personagens não-jogadores. A idéia dos pacotes foi sugerida inicialmente em guias orientados para determinados tipos de personagens, como o GURPS Warriors, GURPS Wizards e o novo GURPS Rogues.
Da mesma maneira, observa-se um movimento crítico contra o número e complexidade das regras opcionais do sistema. Há, entretanto, uma certa incompreensão da função destas regras opcionais por parte da maioria dos críticos. De fato, a proposta central do GURPS resume-se em modelar a realidade, ou seja, ser o mais realista possível sem, entretanto, adicionar complexidade em demasia. Neste contexto, as regras opcionais são apresentadas de maneira modular, permitindo ao usuário emprega-las de acordo com sua conveniência e necessidade por maior ou menor grau de realismo. O uso do sistema de manobras apresentado no GURPS Martial Arts, discutido anteriormente, as regras de construção de veículos do GURPS Vehicles e as regras de combate em massa contidas no GURPS Compendium II são exemplos claros desta abordagem.
O grande volume de regras opcionais espalhadas por dezenas de suplementos, alguns dos quais já fora de circulação, também poderia gerar problemas significativos de organização. Porém, convém observar como a excelente indexação do GURPS permite contornar esta dificuldade.
Em termos da mecânica de jogo, é importante fazer notar a deficiência do sistema no tratamento tanto de personagens sobre-humanos quanto de ambientações eminentemente heróicas. Conforme repetidamente notado ao longo do texto, o foco do sistema é reproduzir a realidade física como a conhecemos, e as regras refletem de maneira exata este ponto. É, portanto, compreensível a dificuldade de adaptá-las para tratar de noções que extrapolam esta realidade. De certa forma, esforços bastante louváveis neste sentido foram efetuados em suplementos como o GURPS Supers, que apresenta todo um sistema modificado de vantagens e desvantagens bastante adequado à sua proposta. Há, entretanto, questões que ainda aguardam resolução ótima neste aspecto como a quantidade de dano mortal gerado por personagens superfortes versus habilidades de resistência a dano que tornam muitos personagens praticamente invulneráveis.
Críticas também poderiam ser dirigidas à filosofia comercial da companhia, que privilegia o lançamento de diversos suplementos a cada ano. Argumentos neste sentido questionam a real necessidade de muitos destes títulos. Não há dúvidas, entretanto, quanto à qualidade dos produtos da Steve Jackson Games. E faz-se necessário observar que a prática de oferecer suporte às linhas de jogo deveria ser encarado antes como ponto favorável ao sistema por permitir ao usuário maior liberdade de escolha de suas aquisições.
No Brasil, um dos aspectos mais deficitários do sistema é a falta de apoio adequado da editora licenciada. A Devir, em função de sua posição de quase monopólio no fornecimento de material de RPG, não consegue oferecer suporte de qualidade em prazos aceitáveis para a manutenção do mercado. De fato, é compreensível a falta de compromisso com uma ou outra linha de produtos em virtude da enorme variedade com a qual a empresa trabalha. Entende-se, também, que o trabalho de tradução não é tão simples quanto se pode pensar. De qualquer sorte, a reclamação corrente em diversos círculos de RPGistas é relativa a uma certa falta de consideração com uma das linhas mais tradicionais de RPG no país. Nos últimos anos, a iniciativa dos Mini-GURPS parece ter surtido efeito, mas o foco eminentemente histórico dos mesmos pode levar o sistema como um todo numa direção mais educativa do que lúdica, o que certamente é questionável em termos de rentabilidade.

Conclusões

A partir das considerações expostas, alguns pontos devem ser reforçados e outros, enunciados. Inicialmente, deve-se lembrar que o sistema possui tanto fãs quanto críticos ardorosos. De certa maneira, é compreensível que posições diametralmente opostas se formem ao redor de um simples conjunto de regras para RPG.
Basicamente, podemos entender esta situação compreendendo que o GURPS como um todo foi concebido com uma determinada ênfase, qual seja, o realismo modular. Realismo, pois sua proposta é permitir a resolução de qualquer situação da realidade através de suas regras, não importando a definição particular do cenário. Modular, uma vez que as regras opcionais que definem o grau de realismo a ser adotado podem ser escolhidas e ajustadas de acordo com as preferências dos usuários.
Assim, as críticas ou adorações ao sistema se justificam, fundamentalmente, nas próprias experiências e estilos dos jogadores. Desta maneira, jogadores simulacionistas, agradados pelo conceito de simular a realidade no RPG, usualmente inclinam-se favoravelmente ao sistema. Por outro lado, jogadores que preferem descartar ao máximo as regras, ou mesmo que acreditam que as regras devem refletir a realidade específica da ambientação em que jogam, tendem a se tornar críticos do GURPS.
Assim, podemos afirmar de maneira simplista que o GURPS não é o sistema ideal para todos. Com uma análise mais crítica, entretanto, percebe-se que em determinadas situações é possível até mesmo conciliar as duas visões contraditórias, utilizando o menor número de regras opcionais, simplificando ao máximo a utilização das mesmas e permitindo a maior liberdade possível ao Mestre na interpretação das leis do jogo

Retirado do http://br.geocities.com/contoselendasrpg/gurps.html

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